08 julho 2009

Jayme Caetano Braun

Hoje, 08 de julho, faz 10 anos que o Payador nos deixou. Copiamos um texto do João Pedro, lá da página dos Angueras, que mostra a genialidade do poeta.

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Buenas,

Sigo trazendo causos, poemas e histórias sobre o nosso homenageado.

Essa, que segue, é conhecida daqueles que já ouviram o CD póstumo “Payada, Memória & Tempo”, que reúne registros das décadas de 70 e 80.

Jayme, na Década de 80, foi convidado para pajar no “Canto Sem Fronteira”, em Porto Alegre, sendo precedido por outros artistas, inclusive por Dante Ledesma.
O País vivia momento tenso e grave – o fim da Ditadura; a morte de Tancredo e o conseqüente governo de Sarney, a ameaça da hiperinflação, cogitações de um novo golpe militar. Era, então, previsível que Jayme, habituado à crítica política, fosse tratar desses temas – nem sempre digestos àqueles que buscam, em tais eventos, apenas diversão.

Vai daí que, acompanhado do Argentino Luna, o Payador iniciou sua apresentação:

Chego pra fechar a fila,
Atendendo um chamamento,
Com esse acompanhamento,
Minh’alma fica tranqüila,
Pra pajada que destila
E não foi feita de encomenda
Saludando a cada prenda,
As senhoras e os senhores
E o maestro dos cantores,
Don Luna, pampa e legenda!


Antes de seguir pajando, procurando inspiração sob o amadrinhamento de Luna, ouviu-se certa manifestação de inconformidade na platéia: vozerio de reclamações, contrariedades com a apresentação do payador missioneiro, que reclamava atenção a temas espinhosos...
Nesse instante, uma voz feminina grita: - Chama o Dante!!!
Referia-se a queixosa ao Dante Ledesma, que se apresentara anteriormente.
Imediatamente, de improviso, com métrica e rima perfeitas, Jayme sentenciou:


Não posso chamar o Dante,
Nem atender a um pedido
Eu respeito, comovido,
Esse pedido importante;
Está para atrás, não adiante,
E segue o seu rumo eterno
É folha de outro caderno
Desta pátria verdejante,
Não posso chamar o Dante:
O Dante tá no inferno!


Foi, então, calorosamente aplaudido, apagando, por completo, aquele foco de irresignação com a sua apresentação.
Prosseguiu dessa maneira:


Faz um ano justamente,
Que eu aqui estive cantando,
Que eu aqui estive pajando,
Meus irmãos de Continente,
Da forma mais reverente
Cantando à minha maneira,
Gauchesca e Missioneira,
Que o gaúcho tanto preza,
Venho rezar minha reza,
Nesse Canto sem Fronteira...

E aqui está São Luiz Gonzaga
Terra do primeiro monje,
Meu rastro veio de lonje,
E o tempo jamais apaga,
É benção que não se paga,
Descender destes avós,
Que à força de mocotós,
Nas missões e na fronteira,
Levaram a vida inteira,
Fazendo pátria por nós.

Eu sou galho de uma planta
Que dá sombra a esse país,
O tronco, o cerno e a raiz,
De onde o Rio Grande levanta,
Eu sou a voz chucra que canta
E nunca trai o estilo,
Eu busco o rumo tranquilo,
E busco o rumo seguro,
Mas eu prefiro o escuro,
É mais doce o canto do grilo!


Como era de se esperar, o payador passa a abordar os assuntos políticos da época, sempre com o olhar arguto e crítico que lhe era peculiar, chegando, mesmo, a usar do recurso e “errar” a rima do último verso, para não falar um termo chulo. Vejam que preciosidade:


Depois de uma dura prova,
Dos anos de ditadura,
Vinte anos de censura,
Eis que tudo se renova
Veio a República Nova,
Tudo seria melhor,
Sem general, sem major,
Pobre Nação Brasileira,
É maior a roubalheira
E a fome é muito maior!

Prossegue a mesma ciranda
Frente à essa democracia.
Entra dia, passa dia,
E a situação se desanda,
Já ninguém sabe quem manda,
O povo exige resposta,
O governo vira as costa,
E segue tudo de novo:
A inflação mata o povo,
E o povo comendo alfafa...


Adiante, o payador volta seu talento à crítica do Primeiro Mandatário – Dr. Sarney – cujo romance (Marimbondos de Fogo) era assunto corrente, por ter sido traduzido até para o chinês, tendo o Presidente viajado para a China, naquela oportunidade. Há, novamente, o emprego de uma certa malícia pelo payador, pois suscita rimas terminando em “u”, sugerindo a possibilidade de um desfecho absolutamente bagaceiro, o que, evidentemente, não ocorre, como se pode constatar:


E a gente nem imagina,
Neste momento precário,
O Primeiro Mandatário
Da academaia divina,
Se manda a passear na China,
Depois de tudo o que fez,
Mingua no fim do mês
O nosso salário em jogo
E há marimbondos de fogo,
Traduzidos pro Chinês!

Na língua do Mandarim,
Pra rimar com kung fu,
Pra rimar com fumanchu,
E pra rimar com Pequim
E pra rimar com nanquim,
Sob as ordens do reizinho
Eu posso ficar sozinho,
Mas por essa eu não respondo:
Eu não entendo marimbondo,
Comendo arroz com pauzinho!


O arremate da payada, que, no disco, tomou o título “Payada sem Fronteira” (faixa 3 do CD nº 2), gravita em torno de um tema que estava se tornando muito popular em face da chegada ao Brasil dos primeiros casos notórios de uma doença nova: a AIDS. De fato, afora médicos e profissionais especializados na área, pouco se conhecia sobre a Síndrome da Imuno-Deficiência Adquirida. Nesse tempo, com o falecimento de personalidades do meio artístico e as campanhas governamentais para prevenção da AIDS, fundamentalmente com o uso de preservativos, as discussões sobre o uso da camisinha eram assunto corrente entre todos. Jayme, na sua genialidade, fez uma correlação perfeita entre a situação do País e o uso de preservativo:


E para um remate otimista,
Depois de tanta miséria,
Prestigiemos a matéria,
Dessa hora nativista.
Eu peço ao Patrão que assista
O meu Rio Grande, o meu chão,
Nós não temos proteção
Contra essa gente daninha:
Falam tanto em camisinha
E emprenharam a Nação!


Essa payada, possui outros trechos igualmente brilhantes, tendo eu reproduzido apenas os versos mais pertinentes à história que contei.

Vale, porém, o registro da genialidade do payador, de sua espantosa presença de espírito e capacidade de improviso e, principalmente, da crítica social e política pertinente aos fatos da época, de forma inteligente, mas com uso de termos correntes, compreendidos por qualquer um do povo.