24 outubro 2008

Do site dos Angueras trago essa "jóia" postada pelo amigo Leandro Araújo









Bom dia, irmãos de arte!

Dentro do acervo de poemas gaúchos, poucos são aqueles que buscam uma temática mais jocosa, humorística. Xavier Fritsch é um desses poetas que explora o estilo com maestria. E meu poema do dia de hoje é uma dessas jóias.
Um ótimo final de semana a todos!
Leandro

JOÃO DAS FEIAS

Xavier Walter Fritsch

"As feia traz as bonita"
Dizia o João num ditado.
Assim vivia o lasqueado
Retocando as balzaquianas.
E nessa andança aragana
Por bailantas e carreiras,
Não tinha feia solteira
Que não sonhasse com o João
Com seu jeito bonachão,
Atipado e pacholento,
Atiçava os sentimentos
Do chinaredo de então.

Com um instinto de avestruz,
De comer qualquer porqueira,
E uma ânsia fandangueira
Picaneando no garrão,
Virava o rei do salão
Quando a cordeona roncava,
Sem refugar, se atracava
Na primeira que se abria
E a cachorrada se ria
Da cara larga do João,
Que, sem afrouxar o garrão,
Com as feias se divertia.

Das tantas que o João já fez,
Tem uma da Negra Manca,
Na Estância da Salamanca
Num dia de marcação.
A negrinha era um tição,
Tinha um bafo de cachaça,
Mas vinha rareando a caça,
Todo mundo acasalado.
Sem se fazer de rogado,
Ao canto da pomba rola,
O João sumiu com a crioula
Na garupa do gateado.

De outra feita, num surungo,
Tirou uma gringa faceira
Que apesar de dançadeira,
A risada era um relincho.
Mais feia do que um capincho
Com sarna braba no pêlo.
Tendo a gaita por sinuelo,
Na meia luz da bailanta,
Fez o baile com a percanta,
Sem ligar pra concorrência,
Pois diz a voz da experiência:
China feia ninguém canta.

De a cavalo era um São Jorge,
Sempre atrás de algum dragão,
Engrossando o pelotão
Das feias que ele alegrou.
Pelo pago se espalhou
A fama desse carancho.
Terror dos bailes de rancho,
Parceiro das capivaras
De onde vinha aquela tara
De urubu no mês de Agosto?
O louco não tinha gosto
E nem vergonha na cara.

Um dia o João se aquietou,
Largou de mão das gurias,
Dos bailes, das pulperias,
Se arranchou com uma morena
Linda de fala serena
E olhos claros transparentes,
Como as águas das vertentes,
De uma beleza esquisita.
E o João que não facilita,
Agora regenerado,
Repete em tom debochado
Que "As feia traz as bonita".